sábado, julho 17, 2010

Dublin, 2010

Há seis meses a idéia de dividir um apartamento com cinco paulistas e um francês em Dublin – cidade que eu nunca havia cogitado visitar - não faria o menor sentido.  Como nada nessa vida faz sentido, aqui estou eu, longe dos sotaques e cheiros familiares, chorando por um prato de arroz e feijão. Enfrentando todos os dias essa coisa de sentir saudade.

Dublin é uma cidade com ares decadentes. Nas portas das igrejas seculares, mendigos balançam seus saquinhos de moeda demonstrando que a Europa real é bem diferente daquela exibida nas novelas da Rede Globo. Os tempos áureos se foram, a crise chegou, e outro dia fui surpreendida por um grupo de manifestantes bradando palavrões contra o FMI, a União Européia e o desemprego. Tão subdesenvolvido, não? Uma das coisas que você aprende quando sai de casa é que os problemas existem em todos os lugares, só são um pouco diferentes.  Por aqui o sistema de ônibus funciona perfeitamente bem e não é raro encontrar cadeirantes circulando desacompanhados pelas ruas, todas adaptadas com rampas. Em compensação, é preciso prestar atenção por onde você pisa. Muitas áreas da cidade são sujas e por mais que a prefeitura se esforce em limpar parece nunca ser suficiente.

A Irlanda tem o quinto maior Índice de Desenvolvimento Humano [IDH] do mundo. Mas desde 2008 atravessa uma recessão cruel, com retração da economia e aumento considerável nas taxas de desemprego. A crise não impediu que muitas pessoas de diferentes partes do mundo continuassem chegando para arriscar a sorte no país, que mantém uma política bem receptiva aos imigrantes, oposto do que acontece na maior parte da Zona do Euro. Quem acaba de chegar tem de cara o desafio de conseguir trabalho no mercado bastante saturado de Dublin. Além desse problema e dos naturais obstáculos impostos pela língua, imigrantes também precisam ficar atentos aos knackers. Antes de desembarcar por aqui nunca tinha ouvido falar neles, mas demorou pouco até que fossemos apresentados. Os knackers são adolescentes de classe média que culpam os imigrantes pelos problemas do mundo. Ovos, palavrões, pedras, socos e pontapés são as armas normalmente utilizadas por eles para atacar forasteiros desprevenidos. No meu caso a experiência parou nas ofensas verbais, mas serviu para não me deixar esquecer que estou em terra estrangeira. Nada substitui a nossa casa.

Obviamente Dublin não é apenas um amontoado de problemas.  Os knackers são uma minoria dentre a população, em geral simpática e comunicativa com quem vem de fora. A grande quantidade de imigrantes faz do centro da cidade um pólo cosmopolita que possibilita a convivência de orientais, africanos, latinos e europeus em uma rica amostra de diversidade. Muitas vezes, apenas caminhar sem destino e observar os passantes já é um grande lazer.

E ainda tem a música! O dia-a-dia em Dublin tem trilha sonora. Violonistas, guitarristas, saxofonistas e até orquestras inteiras disputam cada espaço vago nas esquinas da Grafton Street e Temple Bar para compartilhar uma variedade absurda de sons que vão te seguindo, se fundindo e se transformando enquanto você transita pela cidade. Esse hábito Irish virou até tema de filme: “Once” levou o Oscar de Melhor Canção Original em 2008.

Entre uma música e outra lá se vão quase três meses desde que coloquei os pés nessa cidade gelada, em que as máximas raramente ultrapassam os 20º e a chuva tem presença obrigatória na paisagem. Antes uma completa desconhecida, já estou familiarizada com as ruas, os prédios e o céu de Dublin, que nos dias de sol lembra o de Teresina. Só o que ainda mata é essa saudade.