Quais são as personalidades mais famosas em todo o mundo atualmente? Diante da pergunta, a turma de pouco mais de 20 alunos começa a discutir entre si. No meu grupo, formado por uma brasileira, uma chilena e dois chineses, o nome da celebridade feminina vem rápido: Madonna ganha por unanimidade. Mas na hora de escolher a personalidade masculina, surge o impasse. “Barack Obama?”, sugere a chilena, no que é prontamente acompanhada por mim. “O que você acha, Cheng Yu Fong?” O chinês titubeia e por fim responde: “I don´t know, maybe Karl Marx”.
Pois é. O regime ditatorial chinês fechou os olhos do meu colega para inúmeras mudanças políticas ao redor do mundo. O tempo de Karl Marx passou, o capitalismo venceu e a juventude antenada está muito mais interessada em conhecer os últimos lançamentos da Apple do que em discutir reforma agrária. Mas se o isolamento o impediu de acompanhar muitas transformações mundiais, também permitiu que ele escapasse da quase onipresente influência norte-americana [aparentemente, apenas Madonna venceu a resistência].
Ser imune ao way of life americano não é necessariamente bom, mas incomum, especialmente para quem, como eu, já acumula um vasto histórico de convivência com Pernalongas, Tarantinos e Mickey Mouses da vida. É um jeito de compreender o mundo com o qual eu nunca tinha me deparado antes. Fato é que a barreira do diferente aparece rápido quando se decide colocar uma mochila nas costas e abandonar a própria zona de conforto. O lance é saber o quão disposto você está a escancarar a coisa toda e enxergar o lado de lá.
Imagine uma realidade onde quase todas as referências de “cultura pop” que você vem acumulando desde criança não têm qualquer significado. É assim que me sinto quando estou conversando com muitos africanos e orientais. Certa vez, em outra brincadeira em sala de aula, uma amiga da Malásia revelou nunca ter ouvido falar em Jurassic Park. A assustadora ilha de dinossauros que tanto marcou minha infância não tinha nem mesmo existido para ela. Outra surpresa geral para a turma do ocidente quando, noutro dia, alguns colegas admitiram não saber quem é Mick Jagger. “O vocalista da Rolling Stones, a banda de rock”, ainda tentaram alguns, sem qualquer sucesso.
No início é impossível não se perguntar onde diabos essas pessoas estavam trancafiadas enquanto a história acontecia ao nosso redor. Mas em pouco tempo me dei conta de que também não sei absolutamente nada sobre a música pop que faz ferver as pistas de Hong Kong ou sobre os atores que fazem o cinema chinês acontecer. Assim como também sei muito pouco sobre Budismo, Taoísmo, Ramadã ou história política da Tailândia, só para citar alguns exemplos. Então vem a percepção de que é tudo uma troca. O mundo ocidental cristão é um pedaço e não o todo. Uma idéia que parece óbvia, mas na prática nem sempre o é, principalmente se você nunca tem a oportunidade de conviver com o tal do "diferente". Diferente pra quem?
Todo esse papo me fez lembrar um texto que li outro dia. Falava sobre pessoas que vivem em bolhas. Uma alegoria sobre a dificuldade de perceber o mundo sob outras perspectivas que não as que nos são impostas pelo cotidiano. É bem por aí. O grande exercício diário de romper com a sua própria bolha. Estamos trabalhando nisso.
quinta-feira, setembro 16, 2010
quinta-feira, setembro 09, 2010
Sobre o tempo
Para ler ao som de Janis
Em Dublin, ninguém está parado. Há pressa por todos os lados e cada calçada parece integrar o percurso de alguma mini maratona. Não sei exatamente qual a razão para tanta ansiedade [ o frio poderia ser uma explicação aceitável], mas a verdade é que quase diariamente me vejo ultrapassada por alguma velhinha sexagenária enquanto caminho a passos tranqüilos para a escola. Essa correria cega, tão presente nas ruas da cidade, se transfere também para os relacionamentos. Por aqui, amizade acontece de um jeito diferente.
Todo o protocolo conhecido e registrado em memória para estabelecer o que se definiria como “amigo” precisa ser revisto e drasticamente reduzido ao primeiro sinal de que não há tempo a perder. Em Dublin, ninguém está parado e as despedidas se multiplicam. O ciclo de chegadas e partidas é mesmo interminável, a solidão bate forte para todos e um time de futebol ou aquela banda preferida em comum podem ser motivo suficiente para alguém colar em você.
No fim de julho a turma da escola organizou um passeio para o Festival of World Cultures em Dun Laoghaire, um pequeno centro no entorno de Dublin. O nome do festival era bem condizente com o nosso grupo, uma reunião de gente de diferentes países tendo o inglês democraticamente estabelecido como língua oficial. Os poucos tropeços na comunicação não impediram ninguém de aproveitar o sábado de sol, clima agradável que era comemorado como conquista de campeonato pelos locutores do evento. A ida a Dun Laoghaire me apresentou a espanhola Maria, estudante de Medicina que sofre de uma séria antipatia por moradores de Barcelona e, ao contrário do que o senso comum poderia imaginar, detesta paella. Também tinha o Jerzy, polonês boa praça que desanca a idéia de frieza e distanciamento que costumamos associar às pessoas do Leste Europeu. Magalie era nossa ponta africana no grupo. Cidadã belga, os pais abandonaram o Congo antes do seu nascimento. Apesar da formação em Serviço Social, ela gostaria mesmo era de trabalhar com literatura infantil. E havia o brasileiro, claro. Icamaan é um soteropolitano radicado em Recife e com um orgulho de ser nordestino que é coisa bonita de se ver.
Dia desses uma fotografia levou-me de volta ao nosso sábado de sol em Dun Laoghaire e só então percebi que, em pouco menos de um mês, já me despedi de todos os meus companheiros de viagem. Nosso momento passou e, sem querer subestimar essa coisa linda chamada Facebook, as chances de eu encontrar quaisquer dessas pessoas novamente são quase inexistentes. E aí que entra o lance do tempo, palavrinha chave nesse texto. Quando se está em trânsito, com prazo vencendo e passagem marcada para voltar à vida real, você aprende a valorizar essa coisa de encontro e de troca, de riso e de empatia. É o get it while you can, baby, porque o tempo não pára.
Semana passada, mais uma despedida. Chegou a vez do Benjamin, francês com quem dividi apartamento por mais de três meses e que compartilhava comigo o gosto por cinema e pelos escritos de George Orwell. Na hora do adeus, um abraço e os desejos de “Have a good life”. E a vida que segue, já com um novo flatmate devidamente instalado em seu lugar. Em novembro, Teresina fica mais perto e será a minha hora de dizer adeus, bye bye so long far well. A roda continua a girar.
Em Dublin, ninguém está parado. Há pressa por todos os lados e cada calçada parece integrar o percurso de alguma mini maratona. Não sei exatamente qual a razão para tanta ansiedade [ o frio poderia ser uma explicação aceitável], mas a verdade é que quase diariamente me vejo ultrapassada por alguma velhinha sexagenária enquanto caminho a passos tranqüilos para a escola. Essa correria cega, tão presente nas ruas da cidade, se transfere também para os relacionamentos. Por aqui, amizade acontece de um jeito diferente.
Todo o protocolo conhecido e registrado em memória para estabelecer o que se definiria como “amigo” precisa ser revisto e drasticamente reduzido ao primeiro sinal de que não há tempo a perder. Em Dublin, ninguém está parado e as despedidas se multiplicam. O ciclo de chegadas e partidas é mesmo interminável, a solidão bate forte para todos e um time de futebol ou aquela banda preferida em comum podem ser motivo suficiente para alguém colar em você.
No fim de julho a turma da escola organizou um passeio para o Festival of World Cultures em Dun Laoghaire, um pequeno centro no entorno de Dublin. O nome do festival era bem condizente com o nosso grupo, uma reunião de gente de diferentes países tendo o inglês democraticamente estabelecido como língua oficial. Os poucos tropeços na comunicação não impediram ninguém de aproveitar o sábado de sol, clima agradável que era comemorado como conquista de campeonato pelos locutores do evento. A ida a Dun Laoghaire me apresentou a espanhola Maria, estudante de Medicina que sofre de uma séria antipatia por moradores de Barcelona e, ao contrário do que o senso comum poderia imaginar, detesta paella. Também tinha o Jerzy, polonês boa praça que desanca a idéia de frieza e distanciamento que costumamos associar às pessoas do Leste Europeu. Magalie era nossa ponta africana no grupo. Cidadã belga, os pais abandonaram o Congo antes do seu nascimento. Apesar da formação em Serviço Social, ela gostaria mesmo era de trabalhar com literatura infantil. E havia o brasileiro, claro. Icamaan é um soteropolitano radicado em Recife e com um orgulho de ser nordestino que é coisa bonita de se ver.
Dia desses uma fotografia levou-me de volta ao nosso sábado de sol em Dun Laoghaire e só então percebi que, em pouco menos de um mês, já me despedi de todos os meus companheiros de viagem. Nosso momento passou e, sem querer subestimar essa coisa linda chamada Facebook, as chances de eu encontrar quaisquer dessas pessoas novamente são quase inexistentes. E aí que entra o lance do tempo, palavrinha chave nesse texto. Quando se está em trânsito, com prazo vencendo e passagem marcada para voltar à vida real, você aprende a valorizar essa coisa de encontro e de troca, de riso e de empatia. É o get it while you can, baby, porque o tempo não pára.
Semana passada, mais uma despedida. Chegou a vez do Benjamin, francês com quem dividi apartamento por mais de três meses e que compartilhava comigo o gosto por cinema e pelos escritos de George Orwell. Na hora do adeus, um abraço e os desejos de “Have a good life”. E a vida que segue, já com um novo flatmate devidamente instalado em seu lugar. Em novembro, Teresina fica mais perto e será a minha hora de dizer adeus, bye bye so long far well. A roda continua a girar.
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