domingo, outubro 10, 2010

Dublin convida para um passeio

Quem me conhece confirma: o sedentarismo é parte [quase] indissociável do meu estilo de vida.  Até procuro estar bem informada sobre as últimas notícias do esporte, gosto de assistir e falar sobre futebol, mas não sei o que é entrar em uma quadra de seja lá o que for desde o longínquo ano de 2001, quando finalmente fui liberada dos horrores da Educação Física obrigatória e, por conseqüência, tive de abandonar o posto de goleira do time da escola. De lá para cá, venho mantendo a honrosa escrita de não colocar os pés em uma academia.  Do alto dos meus 25 anos, posso afirmar que nunca sentei em nada remotamente parecido com um aparelho de musculação.

Isto posto, preciso admitir que estou completamente viciada nessa coisa de caminhar. Começou por uma necessidade. Depois de anos de quase simbiose com meu corsinha 1999, me vi em uma cidade nova, sem carro e sem dinheiro suficiente para bancar o táxi.  Dublin tem pouco mais de 1 milhão de habitantes, mas o coração da capital - seu centro comercial e etílico - ocupa um perímetro de cerca de 10km, talvez nem isso.  Basicamente, quando se mora nos arredores do City Centre [o que a maioria dos imigrantes trata logo de conseguir] é possível chegar a todos os lugares que interessam a pé, sem nem precisar recorrer a ônibus.  Assim fiz. 

No início não foi exatamente fácil. Além da total ausência do hábito de caminhar por “longas distâncias” [No meu caso, qualquer coisa acima de, sei lá, dois quilômetros], o corpo ainda precisava se acostumar ao frio. Lembro bem que minha primeira tentativa de dar uns rolês pelo Centro teve de ser abortada após pouquíssimos metros, quando fui derrotada pelo vento gelado e elegi uma livraria como refúgio. Mas, se há alguma verdade no mundo, esta é a de que os humanos adaptam-se a tudo.  Ao ponto de eu, teresinense nascida e criada na capital mais quente do Brasil, me ouvir reclamar do calor diante de uma máxima de 20 graus [Há de chegar o dia em que serei castigada por tamanha heresia]. Depois que, obviamente, o frio deixou de ser um problema, minhas idas ao supermercado começaram a ter cada vez novos e mais longos desvios.

Dias de sol em Dublin exigem uma caminhada. Sob o céu azul e deserto de nuvens, a cidade exibe seus pormenores. Enquanto caminho, o Centro surge, aos poucos, expondo sua desordem de gente, línguas, prédios modernosos e construções milenares. Toda a dicotomia que envolve a velha e a nova Irlanda escancarada na convivência entre igrejas luxuosas e fachadas envidraçadas. No encontro entre os passos ágeis dos idosos e o vai-e-vem de imigrantes que só começaram a desembarcar por aqui a coisa de dez anos atrás. E é tudo tão vivo, cheio de cor e música. Música que parece brotar dos muros, vinda não se sabe de onde, até você dobrar a esquina certa e dar de cara com uma banda de rock tocando irish music no meio da rua, praticamente entre os carros. Ouvir a tradicional música viking agora reproduzida pelo barulho das guitarras elétricas dá a noção exata dessa mistura louca de sons, cores e tradições que torna Dublin o que ela é. Com tantas coisas para ver e sentir, os quilômetros acumulam-se, imperceptíveis. Entre passos, me apercebi irreversivelmente apaixonada por essa cidade, que à primeira vista exibe uma face cinza e decadente, mas guarda um mundo sem fim de sorrisos surpresos para os que mantêm olhares mais atentos.

E eu, que carrego o sedentarismo na veia, há semanas não consigo recusar os convites de Dublin para mais um passeio.