Não tenho uma estatística precisa, mas poderia afirmar com convicção que pelo menos 80% dos brasileiros vivendo em Dublin nasceram em São Paulo ou no Sul do país. Isso faz de mim praticamente uma estrangeira entre os brasileiros que conheço por aqui. E digo isso sem o menor exagero.
Pela primeira vez enfrentando a rotina longe da minha terra, comprovo quase todos os dias que a maioria das pessoas ainda considera surpreendente encontrar uma nordestina estudando no exterior. Quando falo que sou de Teresina, então, a exclamação é geral. “Nossa, do Piauí?!”. Pois é, do Piauí e com muito orgulho. E para sua informação, não, minha cidade não tem praia.
Esses meses de convivência com gaúchos e paulistas me mostraram que para muita gente o Nordeste continua sendo um mistério – mistério este que muitos não fazem a menor questão de desvendar. Sabe aquela descrição padrão dos estrangeiros para o Brasil? “Carnaval, caipirinha, Flamengo...”, pois na visão distorcida de alguns bra-si-lei-ros, toda a variedade cultural que diferencia Recife de Salvador ou São Luís de Teresina não passa de um bolo homogêneo, uma mistura de axé, forró, praias, sotaque engraçado e Dança da Bicicletinha, ofuscada sempre pela sombra da pobreza e da seca. É realmente difícil escapar de séculos de cobertura midiática negativa.
A vida no Nordeste de hoje é bem diferente da descrita em Os Sertões de Euclides da Cunha, livro reportagem de 1902. Há pobreza, sim, como há, ao seu modo, em todo o país. Mas há também guitarra, asfalto, esporte, turismo, indústria, música e internet. Como disse muito bem Karina Buhr nesse texto aqui, os brasileiros precisam descobrir os Nordestes, pois são vários e são lindos. A região tem previsão de crescimento de 7,5% no seu PIB para esse ano e sempre foi fonte de muita boa música, comida e literatura. Mesmo assim, a velha mídia encontra dificuldades em fugir do já sedimentado discurso de “pobreza e seca”, agora com variação para as enchentes.
No começo deste ano a Sportv fez um especial de uma semana com a judoca piauiense Sarah Menezes. A jovem de 19 anos foi eleita atleta brasileira do ano de 2009 depois de se sagrar Bicampeã Mundial Júnior de Judô sem nunca ter precisado sair de Teresina para treinar. Tinha tudo para ser uma vitrine positiva para a cidade, mas a repórter faz questão de iniciar a matéria com a idéia de que “em uma terra onde a pobreza e a fome dominam, Sarah Menezes resistiu e conseguiu vencer”. A menina é tratada quase como uma sobrevivente, uma espécie de milagre. Não são exatamente essas palavras, mas a mensagem é essa. Mensagem que beira o preconceito, diga-se de passagem. Se Sarah permanece em Teresina é porque a cidade lhe oferece condições para tal e não por algum tipo de concessão divina. Desse jeito fica difícil fugir dos estereótipos e fazer um cara do Sul, que só conhece o Nordeste pela televisão, entender que Teresina tem seus vários defeitos, mas também tem inúmeras qualidades, da mesma forma que imagino acontecer com Porto Alegre, Curitiba ou Florianópolis, mesmo sem nunca ter visitado essas capitais.
Às vezes me questiono se algum dia o Brasil vai de fato atingir uma unidade nacional. Fora a língua, a seleção de futebol e as referências comuns de quem cresceu assistindo a Rede Globo, o que mais une os brasileiros? Na minha primeira semana em Dublin conheci um gaúcho que defendia a separação do Rio Grande do Sul do restante do país, pois seu estado seria muito mais desenvolvido e pacífico que os demais. Ele falava sobre os casos de violência no Rio de Janeiro como se fosse um estrangeiro, aquilo não era problema dele. No meu segundo mês por aqui conheci uma paraense de Belém radicada em Fortaleza. A identificação foi imediata. Não havia pré-julgamentos ou surpresas. Ela pertencia ao mesmo Brasil que eu. É estranho dizer isso, mas foi essa a sensação.
Ps: Esse texto foge de qualquer generalização e é retrato de uma experiência pessoal. Da mesma forma que conheci gaúchos separatistas e muita gente bastante preconceituosa com nordestinos também conheci paulistas, gaúchos, paranaenses, mineiros, pernambucanos, enfim, brasileiros maravilhosos, curiosos e interessados em aprender mais sobre o Brasil. .
6 comentários:
Essa visão negativa da diversidade do país é triste. Em vez de ser motivo para desenvolvimento, a diversidade é utilizado por vários grupos/interesses para afundar, enfraquecer e empobrecer ainda mais nossos laços. belo texto Poty,o "povo do norte" manda lembranças. bjão
FybC
Fico imaginando o tamanho da mentalidade desse gaúcho separatista. aproveita aí clarissa essa caldeião de culturas internacionais e até nacionais.
bjao!
Mas a questão da separação do RS é muito antiga... eles sempre tiveram uma identidade muito própria, muito regionalista, enfim...
Gostei do texto, gata =] Bjão pra tu
saí do brasil pra descobrir que no sudeste, baiano, além de ser quem nasce na bahia (obviamente), é adjetivo dado pra pessoas pobres, feias, que não têm bom gosto, etc, mesmo que sejam de outras regiões do país (o termo paraiba também é usado da mesma maneira). triste, mas muito verdadeiro!
-Gaúchos separatistas são idiotas.
-E TODO regionalismo é fascista.
-Também sou super interessado em conhecer mais o nordeste. Do pouco que eu conheço,o Piauí foi o de mais feio e atrasado. O Brasil já é atrasado, mas o Piauí nem asfalto tem direito. Fico me perguntando onde vai parar o dinheiro destinado à esta unidade federativa. Por isso entendo o preconceito das pessoas, que não é baseado em mentiras.
Adorei o texto. Voltarei sempre.
Que texto!
Você é ótima Clah! Saudades!!
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